O arquipélago da Madeira localiza-se no Oceano Atlântico e é constituído pelas ilhas do Porto Santo, Desertas, Selvagens, e Madeira. Esta ultima esta a cerca de 600 quilómetros do Norte de África e perfaz um total de 735 quilómetros quadrados. É de origem vulcânica, maioritariamente composta por basalto e foi descoberta em 1419 por João Gonçalves Zarco, Bartolomeu Perestrelo e Tristão Vaz Teixeira numa expedição para o Infante D. Henrique.
Em 1495 por ordem do rei, a ilha foi dividida em capitanias entre estes 3 descobridores que arrendaram as terras aos primeiros colonos para as trabalhar e desenvolver. Os primeiros colonos eram membros das famílias nobres de Portugal que trouxeram consigo artesãos e trabalhadores do Norte de Portugal. Outros colonos também constam das listas de passageiros desembarcados na ilha entre estes alemães, genoveses, flamengos, polacos, franceses e britânicos.
Naquela altura, porque a ilha era densamente arborizada, grandes áreas de floresta e vegetação foram queimadas produzindo o espaço necessário para a agricultura e simultaneamente, aumentando a fertilidade do solo. Dado o relevo íngreme das suas encostas foram construídos socalcos ou poios como são localmente conhecidos, permitindo o cultivo de vinhas e outras culturas. Estes socalcos eram suportados por muros de pedra e uma serie de canais de irrigação chamados levadas foram construídas para transportar água por toda a ilha.
O cultivo das terras era baseado num sistema feudal que remonta ao século XV. As terras eram propriedade dos senhorios mas quem as trabalhavam eram os rendeiros. Estes últimos subdividiam-se em Caseiros se trabalhassem e vivessem no terreno ou Meiros se só trabalhassem a terra mas vivessem noutro local. Inicialmente, quando a Madeira foi colonizada a terra era trabalhada por escravos a maioria vinda de África. A escravatura persistiu até 1775 altura em que foi abolida pelo Marquês de Pombal.
O grande mentor dos descobrimentos, o Infante D. Henrique ordenou que se procedesse à plantação de cana-de-açúcar vinda da Sicília e vinha Malvasia Cândida vinda de Creta. Esta foi assim a primeira casta de uvas a ser introduzida na Madeira. A agricultura prosperou e incidia sobretudo na cultura do açúcar, trigo e vinha. Em 1466 o açúcar era a principal cultura e era exportado para Portugal continental, Golfo do Quénia e mercados Africanos bem como os mercados mediterrânicos e do norte da Europa. Muitas outras culturas foram introduzidas e ainda hoje são cultivadas na ilha como bananas, anonas, figos, peras abacates, milho, couves, maças, peras, feijão, batata-doce e outros cereais.
No século XVI assiste-se ao decréscimo do cultivo da cana-de-açúcar devido a uma produção excedente e à exaustão dos solos bem como a concorrência do açúcar vindo do Brasil a preços mais competitivos. As terras utilizadas para cultivar a cana-de-açúcar foram convertidas em vinhedos.
Durante esse século continuaram a chegar à Madeira colonos estrangeiros. Entre esses destaca-se Simão Acciaioly por ter introduzido a casta Malvasia Babosa.
O comércio do vinho Madeira só começou quando o rei D. João ordenou que os seus navios a caminho do Brasil atracassem na ilha e levassem vinho Madeira para as colónias. Quando Carlos II de Inglaterra casou com a irmã de Afonso VII, a infanta Catarina, emitiu um decreto em 1665 proibindo a exportação de produtos europeus para as colónias inglesas. Este decreto excluía a Madeira o que permitiu aos armadores na Ilha criarem um monopólio de comércio nas Américas e nas Caraíbas e o vinho madeira tornou-se uma bebida favorecida nas índias ocidentais e América.
Desta rota comercial surge o afamado vinho da roda. O transporte do vinho para esses destinos era feito nos porões dos navios, atingindo temperaturas muito elevadas nas passagens pelos trópicos. Aquando o seu regresso à Europa verificava-se que os vinhos beneficiavam em qualidade. O vinho passou a ser enviado para as Índias com o intuito do enriquecer e o valorizar no regresso à Europa, aumentando o valor deste. Os produtores do século XVIII ao verificarem os benefícios do vinho da roda investiram na estufagem, técnica ainda utilizada nos dias de hoje.
Registos históricos demonstram que a produção e exportação de vinho Madeira triplicou, no século XVII conduzindo muitos exportadores estrangeiros sobretudo britânicos à ilha. Muitos comerciantes começaram a se estabelecer na ilha devido a esse comércio florescente e em 1680 havia quase 30 armadores. Desses, 10 eram britânicos, 8 portugueses e os restantes 10 eram de diversas nacionalidades europeias. Em 1780 há registos que relatam a existência de mais de 70 carregadores britânicos na ilha. A prática usual da altura era onde existisse uma comunidade de comércio inglês estabelecia-se uma câmara de comércio conhecida por fábrica (factory). As necessidades comerciais, espirituais e físicas dos britânicos era asseguradas pelas toda poderosas fabricas. Com a receita do imposto sobre os embarques, eles construíram uma igreja, cemitério, hospital e um cabrestante para carregar os vinhos nos navios.
Iniciou-se assim a abertura do comércio triangular entre a Madeira, Europa e colónias do Novo Mundo.
No século XVIII as exportações para a Europa continuaram a ser secundárias. Apesar de Portugal ter celebrado o tratado de Methuen com a Grã-bretanha em 1703, através do qual os vinhos portugueses pagavam menos um terço de direitos aduaneiros ao entrar em território britânico o vinho Madeira tinha como principal destino as Índias e América do Norte. A ligação entre o vinho Madeira e este ultimo é tão notória que aquando da celebração da Declaração de Independência a 4 Julho de 1776 o acto foi brindado com Vinho Madeira.
A crescente procura pelo vinho Madeira nessa época tem consequências negativas porque passam a ser misturados vinhos de boa qualidade com vinhos de menor qualidade, produzidos essencialmente na costa Norte da Ilha. Outro aspecto negativo foi o aparecimento de falsos vinhos madeira produzidos noutras paragens. Para combater estes malefícios durante esse século foram feitos esforços para criar e implementar regulamentação rigorosa para garantir a qualidade do vinho Madeira. O Século XVIII também registou um grande desenvolvimento no que diz respeito ao carácter do vinho madeira, tendo sido introduzido duas novas técnicas, a fortificação e a estufagem.
O início do século XIX trouxe consigo um incremento das exportações mas que foram de pouca dura. A depressão pós guerras napoleónicas e a reabertura dos portos Franceses e espanhóis permitiram a entrada de vinhos não portugueses no mercado britânico, prejudicando as exportações nacionais. Outro factor destabilizante prende-se com a guerra civil Norte americana em 1861 que afectaram drasticamente as exportações para esse continente e a abertura do canal Suez em 1869 alterando a rota dos navios que se dirigiam a oeste.
A segunda metade do século marca drasticamente a crescente indústria do vinho Madeira pelo efeito devastador com que 2 doenças de grandes proporções atingiram os vinhedos locais. O Oídio é um fungo que ataca a parte verde das vinhas, criando manchas brancas nas folhas podendo ulteriormente torna-las cinza. Em 1852 já se havia espalhado por toda a ilha e 90% das vinhas foram destruídas. Registou-se uma diminuição de 98% da produção vinícola e uma vez que as videiras eram a principal cultura e fonte de receita isto conduziu a uma crise económica que trouxe consigo a fome e a emigração. Esta praga durou de 1852 a 1862. e das 70 casas de comércio britânicas existentes em 1850 só 15 permaneceram. Estas 15 compraram grandes quantidades dos vinhos velhos das casas que abandonavam a ilha garantindo assim a sua sobrevivência. Esta doença foi superada quando um produtor local descobriu o efeito benéfico de polvilhar as vinhas com enxofre. Pratica ainda utilizada actualmente.
A outra doença é a filoxera um piolho de videira que tem origem nos Estados unidos e que ataca a raiz e folha das videiras. Surgiu na Europa em 1860 e rapidamente se propagou por todo o mundo. Em 1872 são registados os primeiros casos nas videiras do Funchal e Câmara de Lobos e posteriormente espalha-se por toda a ilha. Este malefício ocorreu entre 1872 e 1885.
No rescaldo destas 2 calamidades novas vinhas tiveram que ser plantada e decidiu-se pela utilização das videiras americanas como a Vitis labrusca, riparia e rupestris. Este foi um processo caro, árduo e lento que conduziu o vinho Madeira a grandes perdas nos mercados até ai conquistados. Os registos mostram que os países europeus timidamente retomam o comércio do vinho Madeira, a Grã-bretanha regista uma importação de 11%, Alemanha 40% e França 25%. Noutros casos houve em que determinados mercados floresceram após estas doenças, caso do mercado escandinavo. Foi contudo no mercado americano onde se registou maiores perdas e aquando da instituição da lei da proibição, registou-se a total inexistência de aquisições durante 14 anos.
As vinhas que persistem e ainda são utilizadas actualmente para produzir os vinhos Madeira são o Sercial, Verdelho, Bual, Malvasia, Tinta Negra, Terrantez e Bastardo.
Fontes:
Cossart, Nöel, Madeira the island vineyard, segunda edição publicada em 2011 pela Rare wine Company.
Hancock, David, Oceans of Wine, primeira edição publicada pela Yale University em 2009.
Elliot Trevor, The wines of Madeira, primeira edição publicada em 2010 pelo autor.
www.vinhomadeira.pt